Ana Maria de Souza
Doutora em Biologia pelo IBUP
Heliete Aragão
Mestre em Educação pela UEL
Neide Pessoa
Professora de Matemática
As pesquisas em educação matemática têm com a resolução de problemas um elo expressivo. Seja devido a sua importância no ensino, seja pelo seu potencial para caracterizar como as pessoas aprendem, o fato é que a resolução de problemas frequentemente é estudada quando se deseja buscar a compreensão das questões envolvidas no processo de ensino e aprendizagem.
São múltiplos os questionamentos relacionados ao tema aprender, estabelecendo, portanto, diversas formas de olhar para a resolução de problemas. Uma dessas formas é pelo enfoque da interface com a ciência cognitiva, numa perspectiva de entendimento do processo de como o indivíduo pensa.
Um trabalho de particular interesse nessa direção é La Resolución de Problemas y sus Conexiones con Otras Áreas del Conocimiento, de Trigo (1997). O autor analisa as conexões entre a resolução de problemas em matemática e outras áreas dos estudos da ciência cognitiva, fundamentado em Gardner (1985) e em Schoenfeld (1987), com o objetivo de discutir especificamente as aproximações entre a perspectiva da resolução de problemas e o processo da aprendizagem da matemática.
Tendo como base o estudo de Trigo (op. cit)), este texto foi produzido com a perspectiva de socializar as reflexões do Grupo Mathema, orientadas pelas questões:
A correlação entre a resolução de problemas e as áreas do saber que pesquisam o conhecimento e a forma de aprender, tais como psicologia, filosofia, inteligência artificial, lingüística e antropologia, entre outras, teve no texto de Trigo (op. cit.) um rico referencial para o aprofundamento das discussões. O autor deixa explícitas as conexões, as semelhanças e as diferenças entre os objetos de interesse de cada área e como estas convergem para o estudo da resolução de problemas. As reflexões desenvolvidas pelo estudo deixaram claro que não é possível encontrar respostas de como o aluno aprende matemática só com os elementos da própria matemática. Há que considerar também as múltiplas interfaces que podem ser estabelecidas por meio das demais ciências.
No âmbito da ciência cognitiva, foco de particular interesse do grupo de pesquisadores, foi possível estabelecer a ampla aproximação entre a resolução de problemas e os processos cognitivos. Evidenciou-se que a essência de como o aluno resolve problemas, observa e aprende matemática, para além dos elementos matemáticos, tem na ciência cognitiva um explícito referencial.
A matemática e a ciência cognitiva estabelecem parceria de cooperação porque lançam mão das representações. Os elementos essenciais que identificam a cognição (Gardner, 1985, apud Trigo 1997), tais como os símbolos, os esquemas, as imagens, as idéias e outras formas de representação mental, também são aqueles que caracterizam as ciências da matemática e a inteligência artificial (Schoenfeld, 1987, apud Trigo 1997). No que diz respeito a esta última, o interesse tem centrado esforços em simular o comportamento de especialistas e estudantes na resolução de problemas. Ou seja, a inteligência artificial busca desenhar programas que simulem o pensamento humano. O entendimento dos processos de resolução de problemas permite estabelecer como se desenvolvem as habilidades requeridas nessas instâncias, sinalizando para o delineamento das propostas de ensinar.
Em contrapartida, Trigo (op. cit) destaca que a educação matemática tem sua importância para as ciência cognitiva, pois nela é estabelecido um vasto terreno de pesquisa. Assim, o olhar para a resolução de problemas pode situar importantes referências para o estudo de como as pessoas se envolvem com o problema, que relações estabelecem, como organizam suas estratégias, como desenvolvem suas análise, enfim, como pensam.
As aproximações entre a área cognitiva e a matemática levou Trigo (op. cit.) a considerar a importância da resolução de problemas no ambiente educacional. Tema que teve especial interesse no estudo realizado. Além de historiar a evolução do significado de resolução de problemas e como os problemas são caracterizados, o autor deixa claro que, ainda hoje, não existe um consenso sobre o que é considerado um problema e o que se compreende por resolver problema, tanto no âmbito escolar quanto na área de pesquisa em educação matemática.
Trigo (op. cit.) registra seu posicionamento sobre essas questões polêmicas. Como ponto de partida, a resolução de problemas pode ser adotada para facilitar ou mesmo promover a aprendizagem da matemática. O pesquisadorevidencia, no entanto, que a via de aprendizagem pela resolução de problemas não é aquela que comumente é desenvolvida, tal como a apresentação de problemas a solucionar apenas no final de uma unidade de estudo ou como uma seleção de aplicações após a introdução de conteúdos.
A resolução de problemas proposta por Trigo (op. cit.) é considerada também para iniciar os estudos de determinado conteúdo, tendo a conotação de metodologia de ensino da matemática. Além disso, o autor se refere ao direcionamento do aluno para a resolução de problemas em um movimento que abre espaço para que os estudantes façam conjecturas, usem exemplos e contra-exemplos e utilizem diversos métodos de resolução. Evidencia, também, a inclusão de problemas com características variadas, inclusive aqueles que são rotineiros.
Diniz (2001) refere-se aos problemas rotineiros como problemas convencionais, caracterizados pela estrutura que apresentam e pelo tratamento dado a eles, geralmente como simples fixação de técnicas ou regras. Tais problemas comumente carecem de um contexto significativo para o aluno e aparecem logo após a apresentação do conteúdo que será utilizado na resolução. Como características básicas de problemas convencionais (Diniz, op. cit.) ou rotineiros (Trigo, 1997), os textos são curtos, apresentam todos os dados de que o resolvedor necessita, requerem aplicações diretas de procedimentos matemáticos etc. Para Diniz (2001), o ponto fundamental desse tipo de problema é ter uma resposta correta, e, geralmente, ela é numérica e única.
Kilpratick (apud Trigo 1997) aponta três direções para a resolução de problemas. A primeira como veículo para atingir metas curriculares; a segunda como uma habilidade, e a terceira como uma simulação da atividade matemática. Esta última é identificada por Schoenfeld (1987, apud Trigo 1997) como o desenvolvimento de um microcosmo matemático, na sala de aula. Esse direcionamento é apontado por Trigo (1997) como uma ferramenta importante no ensino da matemática.
Segundo Schoenfeld (1987, apud Trigo 1997), a principal meta da aprendizagem da matemática é identificar as conexões e entender o significado das estruturas matemáticas. Para alcançarem essas metas, os estudantes têm que discutir suas idéias, negociar seus pontos de vista, especular sobre os possíveis resultados e usar diversos exemplos e contra-exemplos que ajudem a confirmar ou ajustar suas ideias.
A aprendizagem matemática pelos alunos ocorre quando interpretam e internalizam os princípios associados à disciplina e reconhecem que, ao encontrar a solução de um problema matemático, este se torna o ponto inicial para encontrar outras soluções, extensões e generalizações de problemas. Além disso, o desenvolvimento da matemática no processo de formular e redimensionar problemas se identifica como um componente essencial para os matemáticos.
Desenvolver e produzir matemáticavai além de fazer cálculos e deduções. Aprendê-la é um processo ativo que requer formular conjecturas e provas, observar padrões e estimar resultados, apelando, portanto, à cognição. Tais ações podem guiar os estudantes no desenvolvimento de novas ideias matemáticas. Formular perguntas cotidianamente, buscar respostas e justificá-las são atividades que podem ser praticadas desde o ensino elementar. Sua prática produz resultados novos, além de ser um processo que ajuda os estudantes a explorar o que sabem e utilizar seus conhecimentos de forma ativa.Portanto, pode-se dizer que a metodologia da resolução de problemas mostra-se intimamente ligada à forma como o indivíduo pensa matematicamente.
A dinâmica de trabalho exige que o professor atue como mediador nas discussões dos alunos sobre os problemas, fazendo intervenções nas ideias apresentadas pelos alunos e ampliando a discussão. Schoenfeld (op. cit.) recomenda que as atividades sejam realizadas em pequenos grupos, o que permitr que o professor faça uma única intervenção. Além disso, o ambiente de proximidade provoca discussões sobre os vários caminhos para a resolução do problema, recurso vantajoso em face da situação em que o estudante enfrenta um problema sozinho e fica limitado às próprias estratégias.
Para que a dinâmica de trabalho coletivo se estabeleça em sala de aula, Trigo (1997) acrescenta que os estudantes devem propor e formular seus próprios problemas e trabalhar em atividades em que o processo de completar uma tarefa de resolver um problema inclua pesquisa, ou seja, busca de dados além dos apresentados no problema. A aprendizagem torna-se efetiva quando o professor foca as estratégias e o processo que mostra como resolver problemas e, mais que isso, quando a eficiência em resolver um problema é mais importante que a sua resolução.
Apesar das considerações positivas sobre a adoção da resolução de problemas como metodologia de ensino da matemática, Trigo (op. cit.) ressalta que o fato de se criar uma atmosfera de confiança entre os estudantes para resolver problemas não é rotineiro. Conduzir o aluno ao enfrentamento das dificuldades de forma positiva, bem como lidar com a diversidade, quando os estudantes selecionam e utilizam seus próprios caminhos na resolução, não são tarefas triviais para o professor. Além disso, exige estar à disposição do aluno, oferecendo-lhe ajuda quando necessário. Dessa forma, a adoção da metodologia de resolução de problemas implica mudanças nas práticas do professor. Para orientar e ampliar as ações docentes, a metodologia de resolução de problemas é indicada para a formação de professores.
Respondendo às Questões Propostas
O presente texto, conforme foi mostrado anteriormente, se apresenta com a intenção de socializar as discussões de um grupo de pesquisadores de educação matemática a respeito das idéias de Trigo (op. cit.) sobre a resolução de problemas, como metodologia de ensino da matemática e sua interface com a ciência cognitiva. Embora aqui tratado de forma sucinta, é possível pontuar as questões propostas pelo grupo como objetos de reflexão.
No que diz respeito à relação entre a resolução de problemas e outras áreas que estudam o conhecimento, o grupo pode endossar as justificativas para o seu propósito de aprofundar-se nas questões não matemáticas envolvidas no processo de ensino dessa ciência. De fato, não é possível desprezar as contribuições de todas as áreas que se colocam à disposição da aprendizagem. Numa apologia ao microcosmo da cultura matemática, de Schoenfeld (1987, apud Trigo 1997), diríamos que não é possível deixar de estabelecer parcerias entre as ciências do conhecimento e a matemática, para formar um macrocosmo de saberes que permitam aprofundar a compreensão sobre como as pessoas aprendem. Uma proposta de ensino só faz sentido quando se fundamenta nas questões relacionadas à aprendizagem.
A interface entre o ensino da matemática e a ciência cognitiva, em especial, contribui para o delineamento do pensar matemático e aponta para os aspectos metodológicos que contribuem para o desenvolvimento da educação matemática e o seu progresso. Trigo (1997) evidencia em seu texto que a resolução de problemas favorece uma forma de pensar na qual o estudante desenvolve uma série de estratégias, de ordem matemática, cognitivas e metacognitivas. Visando contribuir com a aprendizagem da matemática, o autor aponta para uma metodologia de resolução de problemas que delega ao aluno um papel ativo no estudo e no desenvolvimento de idéias, bem como de posturas essenciais para o desenvolvimento de habilidades que o ajudem a questionar os diversos aspectos do problema e as formas de resolução.
De forma sintética, o princípio que norteia a resolução de problemas é a preocupação sobre a aprendizagem do aluno e também sobre o indivíduo como um todo. A utilização do processo metacognitivo e de atividades tem a conotação de didática da heurística (por aproximações), com o objetivo de levar o indivíduo a conscientizar-se da sua forma de pensar, refletindo constantemente sobre as estratégias adotadas por ele a cada fase da resolução proposta. É importante que o aluno discuta o processo matemático que utiliza na resolução do problema proposto, tome posse de vocabulário específico para que possa pensar matematicamente e reter o conhecimento.
O mesmo fundamento é alvo das ações tanto do educador em relação à formação dos professores quanto do professor que visa à aprendizagem do aluno. Como ingredientes desse princípio básico, Trigo (op. cit.) defende a resolução de problemas com características variadas, além daqueles rotineiros. As tarefas e os problemas discutidos devem apresentar um potencial que permita aos estudantes propor conjecturas, usar exemplos e contra-exemplos. Acrescenta, ainda, a necessidade de manter periodicamente problemas novos em sala de aula, de conduzir os alunos à observação das diversas estratégias que utilizam quando enfrentam situações novas e a testar algumas alternativas em oportunidades de verificar as destrezas e as dificuldades no processo de resolver problemas de outros estudantes. São fundamentais o valor, as estratégias, as habilidades e os processos, pois fornecem aos alunos uma forma flexível e independente de pensar.
Além disso, o autor faz prioriza o processo de socialização da aprendizagem, pautado em trabalhos em grupo, estratégia fundamental na formação de um ambiente matemático. As discussões coletivas permitem que o estudante analise várias alternativas, o que é essencial para o desenvolvimento das ideias matemáticas e perceba que a resolução de problemas não é uma tarefa solitária.
Finalmente, as aproximações entre Trigo (op. cit.) e o trabalho desenvolvido pelo Grupo Mathema estão tanto na forma quanto no conteúdo das ações de formação alinhadas à perspectiva metodológica de resolução de problemas do autor. Porém o GrupoMathema agrega ao método os recursos de comunicação, o que permite o aluno organizar, explorar e esclarecer o seu pensamento.
Referências Bibliográficas:
DINIZ, M. I. Resolução de Problemas e Comunicação. In: SMOLE, K. S. e DINIZ, M. I. (org.). Ler, Escrever e Resolver Problemas. Porto Alegre, Artmed, 2001. Capítulo 4., p. 87–97.
DINIZ, M. I. Os Problemas Convencionais nos Livros Didáticos. In: SMOLE, K. S. e DINIZ, M. I. (org.). Ler, Escrever e Resolver Problemas. Porto Alegre, Artmed, 2001. Capítulo 5, p. 99-101 .
TRIGO, L. M. S. La Resolución de Problemas y sus Conexiones com Otras Áreas del Conocimiento. In: Principios y Métodos de la Resolución de Problemas en el Aprendizaje de las Matemáticas. México: Grupo Editorial Iberoamérica, , 1997. Capítulo 5