– Em 2020, a humanidade precisou lidar com um inimigo comum. Europeus, asiáticos, americanos, africanos, australianos, ninguém foi capaz de detê-lo. Não houve arsenal que evitasse sua disseminação e a morte de milhares de pessoas.
– E que país tinha um potencial bélico tão poderoso para causar essa guerra, professor?
– Não foi uma guerra com armas; foi uma guerra invisível, contra um vírus.
Esse pode ser o diálogo de um professor e seus alunos em alguns anos, quando 2020, o ano que mudamos hábitos e a forma como nos relacionamos com as pessoas e com a natureza, for apenas história.
Desde o início da pandemia, a Covid-19, doença infecciosa causada pelo novo Coronavírus, uma dúvida paira na cabeça de todos nós: quando tudo isso vai acabar e a vida voltar ao normal? Mas será que as coisas serão como antes? Na área de educação, pelo menos, não.
Para a diretora do Grupo Mathema, Katia Stocco Smole, além dos reflexos mais visíveis, como a paralisação das aulas presenciais e o desafio de fazer as aulas chegarem aos estudantes remotamente, seja por meio de tecnologia ou correspondência, a pandemia acelerou uma transformação na forma de aprender. “Minha avó dizia que se não aprendemos pelo amor, aprendemos pela dor. Há muito tempo os estudos vêm indicando que o ensino mediado por tecnologia precisa ser um aliado da escola, dos docentes. Resistimos o quanto pudemos, agora não tivemos escolha. Especialmente na educação básica, o uso de tecnologia não substitui a docência presencial, mas iremos evoluir muito nesse processo se registrarmos as boas práticas, os acertos, os pontos de melhoria. Estamos aprendendo o valor dos recursos tecnológicos agindo na urgência e decidindo na incerteza, ou seja, estamos desenvolvendo competências novas da docência, e isso é bom”, afirma.
“Estamos aprendendo o valor dos recursos tecno-
lógicos agindo na urgência e decidindo na incerteza,
ou seja, estamos desenvolvendo competências novas
da docência, e isso é bom.”
Katia Stocco Smole
Ao contrário do que alguns especialistas têm dito, que 2020, o ano da implementação da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), será perdido em relação à educação, Katia crê que haverá danos, mas que não podemos descartar a aprendizagem adquirida. “O desafio é reduzi-los, em especial para os alunos de escolas públicas. Focar nas aprendizagens, não escolher habilidades apenas em função do período sem aulas. Alinhar as atividades com as habilidades escolhidas entre outras ações é importante para garantir que os alunos avancem mesmo em tempos de distanciamento social. Mas ainda é cedo para prever o impacto ou o efeito”, completa a executiva que também é membro do Conselho de Educação do Estado de São Paulo e ex-Secretária da educação básica do MEC (Ministério da Educação).
Se analisar o futuro ainda é precoce, uma coisa já é certa. As mudanças imediatas a que toda a sociedade precisou se adaptar – os gestores das escolas, que precisaram rever orçamento e adequar seus gastos em meio às incertezas financeiras; os educadores e professores, que passaram a ser uma espécie de Youtuber; os pais, que estão trabalhando em esquema home office e são desafiados a ‘dar aulas’ para seus filhos; e os estudantes, que precisaram se ajustar a uma nova forma de aprendizagem – estão contribuindo para que as pessoas compreendam que a aprendizagem não se restringe aos muros da escola, ainda que a escola seja essencial.
É o caso da professora Márcia Aparecida de Oliveira Teixeira, que há 37 anos leciona na mesma escola particular, situada na zona leste de São Paulo. “No começo foi conflitante, pois amo dar aulas, gosto da presença dos alunos, de sentar junto para explicar. Eles me passam energia. Mas agora estou reaprendendo, eu não sabia nem mexer no PowerPoint (programa utilizado para criação de apresentações gráficas), fui na garra. Fico fuçando em busca do que é melhor para meus alunos”, conta.
“Amo dar aulas, gosto da presença dos alunos,
de sentar junto para explicar. Eles me passam
energia. Mas agora estou reaprendendo. Fico
fuçando em busca do que é melhor para eles”.
Márcia O. Teixeira
O novo mundo desperta o interesse pela descoberta, mas nem todos os dias são fáceis. “Estou trabalhando mais do que quando precisava ir à escola. A falta de informação, as cobranças dos pais, que às vezes se mostram insatisfeitos com as aulas, as exigências da escola, a falta de convívio… Tem dias em que estou bem chateada. Aí penso que é só um momento, vai passar. Estou praticando a resiliência”, completa.
Apesar da mudança na maneira de dar aulas, a aprendizagem deve ser sempre o foco. Contudo, é necessário tomar alguns cuidados, como não deixar os alunos passaram cinco horas por dia em frente à tela do computador, usar estratégias de aulas em grupo e aula invertida. “Agora é o momento de apoiar o desenvolvimento de trabalho pessoal e incentivar o protagonismo do aluno. Então, o professor precisa cuidar para não enviar tarefas que sejam sempre feitas em companhia dos pais. Outro ponto é considerar condições especiais, como o caso de famílias não alfabetizadas, e mandar tarefas de leitura para os pais fazerem com as crianças. É importante olhar os cenários e incluir a maioria dos alunos”, ressalta Katia.
A retomada das aulas presenciais exigirá um cuidado extra por parte das organizações. Será necessário um momento de acolhida, pois não se trata do retorno das férias, quando os alunos têm mil histórias para contar. As escolas devem estar preparadas para realizar uma avaliação diagnóstica a fim de verificar quem aprendeu e o que foi aprendido durante a fase de isolamento.
“Preparar a volta precisa de um olhar amplo.
Não será apenas chegar e pensar na reposição,
no material didático e nas avaliações.”
Katia Stocco Smole
“Preparar a volta precisa de um olhar amplo. Não será apenas chegar e pensar na reposição, no material didático e nas avaliações. Haverá momentos para viver as perdas, o luto, para compreender a tensão de ainda haver possibilidade de contaminação entre tantos aspectos. E há um ponto muito relevante: é sabido que em tempos de paralisações longas, os adolescentes e jovens tendem a abandonar a escola. As redes precisam planejar como fazer a busca ativa para trazê-los de volta, de modo a não deixar nenhum para trás”, conclui Katia.
As cobranças e a falta de informação também afetam gestores e mantenedores. Como fazer para manter a saúde financeira da minha instituição se, ao mesmo tempo, os pais pedem redução nas mensalidades? E os impostos, preciso continuar pagando? São muitas as dúvidas que circundam o gestor da área educacional neste momento.
O governo federal anunciou ações a fim de manter a saúde financeira do país. As Medidas Provisórias que garantem a flexibilização de salários para trabalhadores, que podem ter suas cargas horárias e remunerações reduzidas por até três meses, valem também para as instituições educacionais. As reduções estabelecidas são de 25%, 50% e 70%, que devem ser negociadas a partir de acordos individuais e coletivos, conforme as faixas salariais dos trabalhadores. Porém, o valor da hora de trabalho deve ser preservado.
É muito importante que os gestores conversem com o
departamento financeiro para remanejar possíveis in-
vestimentos; manter as contas vitais em dia e, o mais
importante, ser transparente e passar tranquilidade
para sua equipe”. Andrea Oliveira
As MPs também permitem a suspensão do contrato de trabalho, por no máximo dois meses, com o pagamento de 100% do valor respectivo do seguro-desemprego, sem impacto futuro ao seguro-desemprego dos trabalhadores, e o pagamento de impostos com atraso sem incidência de juros e multa.
“As medidas visam a preservação do emprego. E é muito importante que os gestores conversem com o departamento financeiro para remanejar possíveis investimentos; manter as contas vitais em dia e, o mais importante, ser transparente e passar tranquilidade para sua equipe”, afirma Andrea Oliveira, gestora administrativa e financeira do Mathema.
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Excelente, muito bom e que nos ajuda muito a fazermos uma auto avaliação e uma profunda reflexão sobre diversos valores que estamos vivenciando hoje.